quinta-feira, 3 de abril de 2008

Falando sério - para variar...


Depois do vídeo barra pesada que postei, mas que acho importante para que as pessoas se informem, infrinjo um tanto os direitos autorais e publico este texto da Folha de São Paulo desta terça última, que considero importante na nossa informação como cidadãos e humanos. O autor (não sei se é gay), me deixou boquiaberto, não apenas com a qualidade linguística do texto, mas com a informação e os argumentos usados. Conseguiu condensar muita coisa que eu vinha refletindo sobre o Irã, sobre discriminação, sobre intolerância, e a situação difícil de alguns candidatos a asilo na Europa, sofrendo discriminação por serem gays...
Para que não caiamos na frase premonitória do grande Goethe, que muito antes de nascermos disse: "Quem, de três milênios, não é capaz de se dar conta, vive na ignorância, na sombra, a mercê dos dias, do tempo." E não vivamos "da mão pra boca"!

Foto repetida de post antigo, mas triste e atual...
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FOLHA DE SÃO PAULO - CADERNO ILUSTRADA
São Paulo, 01 de abril de 2008

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Ensaio sobre a cegueira

Cegueira mental começa quando a distinção entre civilização e barbárie deixa de fazer sentido

EM SETEMBRO passado, o presidente do Irã visitou Nova York. Bizarro, sobretudo para quem deveria estar preso por suas exortações genocidas? Nem por isso. O momento bizarro da visita aconteceu na Universidade Columbia, uma vetusta casa por onde já passaram Lionel Trilling ou Jacques Barzun. Bons tempos, esses, em que a universidade não era uma pocilga.
Em 2007, e perante a platéia erudita do momento, Mahmoud Ahmadinejad, internacionalmente conhecido por sua sanidade mental, declarou que no Irã não havia "homossexuais". Toda a gente riu.
Toda, exceto o próprio Ahmadinejad. E com inteira razão. Não pretendo ser internado no manicômio na companhia dele. Mas sou obrigado a concordar com o presidente. Como é possível acreditar que o Irã tem "homossexuais" dentro das suas portas quando o regime tem sido exemplar a persegui-los, a torturá-los e a executá-los?
Os números não mentem: em 1979, uma data que será lembrada na história da humanidade como hoje recordamos a Revolução Russa de 1917 ou a chegada de Hitler ao poder em 1933, o aiatolá Khomeini iniciava a sua "revolução islâmica". E, em três décadas, o regime executava 4.000 "homossexuais", aplicando a rigorosa (mas altamente discriminatória) lei penal iraniana sobre a matéria.
Digo rigorosa mas discriminatória porque a lei penal concede às donzelas uma benevolência que está interdita aos machos: a sodomia é punida com a morte; mas o mesmo não acontece com a homossexualidade feminina. As senhoras recebem "apenas" cem açoites nas três primeiras infrações lésbicas.
Só à quarta vez conhecem o fatal destino dos homens. Quem disse que não existem vantagens em pertencer ao "sexo fraco"?
Aliás, as vantagens não se ficam pelo chicote. E não será exagero afirmar que, no Irã, só morre por homossexualismo quem quer.
Li em tempos, num artigo da jornalista portuguesa Alexandra Prado Coelho, que o regime iraniano pode condenar os homossexuais à morte. Mas o regime não se opõe a operações cirúrgicas para mudança de sexo. Pelo contrário: o financiamento estatal é bastante generoso para esse fim.
De acordo com os números oficiais, existem entre 15 a 20 mil transexuais no Irã. Mas os números "clandestinos" multiplicam a cifra por dez, o que transforma o Irã no segundo país do mundo, logo a seguir à Tailândia, com o maior número de homossexuais que optaram pelo bisturi para jogarem por outro time. O presidente Ahmadinejad sabia do que falava. Homossexuais? É tão difícil encontrar um no Irã como encontrar o saci a pular no mato brasileiro.
Mas alguns ainda pulam. Para sermos mais exatos, alguns pulam fora e procuram salvação no corrupto mundo ocidental.
Pior: de acordo com as notícias dos últimos dias, existem casos em que "homossexuais" islâmicos abandonam a riqueza e a tolerância das suas culturas locais, entregando-se de alma e coração a potências opressores e imperialistas. Como a Grã-Bretanha. Como Israel.
Na Grã-Bretanha, o governo de Gordon Brown, depois de uma ridícula hesitação diplomática, decidiu conceder asilo político a um homossexual iraniano de 19 anos.
Parece que o rapaz, de seu nome Mehdi Kazemi, depois de assistir à execução do namorado em Teerã, achou por bem não ficar mais tempo no país. Inexplicavelmente, há gente que não gosta de balas. Ou de bisturis.
Mas o caso da semana veio de Israel, essa entidade maligna que continua a envenenar o Oriente Médio: em decisão rara, Tel Aviv concedeu visto de permanência para palestino homossexual que vivia na Cisjordânia e se preparava para ser morto pelos vizinhos. Segundo parece, os palestinos não se limitam a jogar pedras contra os judeus; também praticam esse desporto contra os seus próprios homossexuais.
Exatamente como o leitor médio da imprensa ocidental média pratica o seu desporto favorito: abominar as democracias liberais onde vive pelo aplauso irracional a culturas retrógradas e até sinistras. As mesmas culturas que o condenariam facilmente à morte caso o leitor tivesse uma orientação sexual, ou religiosa, ou política, que os fanáticos considerassem intolerável.
A cegueira física é um infortúnio, sem dúvida. Mas a cegueira mental, sobretudo quando voluntária, não deixa de ser um infortúnio maior. Ela começa no dia em que a distinção entre civilização e barbárie deixa de fazer sentido.

7 comentários:

Alexandre Lucas disse...

Esta foto é uma das que considero a mais triste de todas as imagens que já vi. Tenho a certeza de que a levarei na memória por toda a vida.

descolonizado disse...

essa coisa de religião é sempre tão complicado.

" O PIMENTA ! " disse...

isso pra mim não é religião, é seita, é fanatismo, é crueldade!!
A religião seja ela qual for, serve para orientar, iluminar, e equilibrar, não pra essas bizarrices....to estarrecido com isso!

" O PIMENTA ! " disse...

Gostei tanto do texto, que copiei ele nos meus arquivos....Que dissertação!! putz!! Quanto fato da intolerância, vc conhece o grau de desenvolvimento de um país pelo modo como tratam os seus cidadãos....não é em vão que o Irã seja tão pobre e desestruturado daquela forma....cada um tem o que merece!!!

Tata disse...

Realmente, é triste vermos que em pleno século XXI ainda acontecem atrocidades deste tipo. E como disse o colega aí, isso não é religião, é algo que não tem nome. Nenhum Deus aceita esses tipos de ações em seu nome.

AH! E vou esperar o convite pra festa, viu :-)

Alexandre Lucas disse...

Tata, pode esperar.
Aos demais amigos da blogosfera, bom saber que tem gente "humana" lá fora ainda. à vezes dá um tristeza enorme pela humanidade, pois cada pessoa perdida nos torna menores...

Alberto Pereira Jr. disse...

não tinha lido esse artigo! Brilhante, devo dizer! O que mais choca é que isso acontece em pleno século 21. 3º milênio...

medo da ignorância que uma leitura radical pode trazer!


kkk vc não gostou de jumper mesmo né?