quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Livro da Vez

Inicio o texto confessando: tenho asma. Os familiares e mais próximos sabem que só fica sintomática nos invernos. Apesar de os médicos a considerarem leve a moderada, nesta noite,por exemplo, impediu-me de dormir. Após sofrer anos em que minha mãe, conquanto bióloga, insistiu em tratamento com homeopatia (uns bons 7 e difíceis anos), logo atingi a adolescência demandei um alergista alopata. Obviamente minha vida mudou. Alopatia é a medicina que funciona e que mudou, juntamente com medidas sanitárias, a expectativa de vida por toda a parte onde foi posta em prática. Não tem resposta ou cura para todos os males que afligem a humanidade, mas baseia-se em sólidos conceitos e experimentos científicos. É ciência com ponderações (risco/benefício, custo/benefício) e análises racionais. Ao contrário do que pensam seus detratores, estudos anti-éticos e mal conduzidos como os famosos de gêmeos e outras experiências cruéis durante a Segunda Guerra Mundial, tanto entre nazistas e japoneses, quanto entre americanos e provavelmente outros aliados, pouco ou nada contribuíram para o avanço da ciência médica. Os nazistas, só para exemplificar, "entortavam" a realidade dos dados para satisfazer sua irracional crença na eugenia. Apesar de preconceitos e elitismos tolos, a espécie humana, do ponto de vista genético, NÃO APRESENTA DIVISÃO EM RAÇAS, mas em fenótipos que se misturam sempre em uma miríade de resultados. Uma beleza.

Mas todo este preâmbulo foi uma justificativa de porque estou blogando quando as pessoas ditas normais e geralmente eu também, estão dormindo. O fato é que desejo repartir com vocês a feliz coincidência de ter encontrado e comprado pela internet (sem folhear, portanto), o livro acima (as imagens, escaneadas, se clicadas, ampliam e permitem a leitura da capa e contra-capa, como em uma boa livraria do mundo real.

Várias coisas incomuns ocorreram: os autores são brilhantes, os temas são variados, e tem-se a sensação de acabar o livro um tantinho mais inteligente. O livro, com o principal autor tendo recebido o The John Bates Clark Medal - ou simplesmente "Medalha Clark" -, um prêmi entregue a cada 2 anos (nos ímpares - Levitt a recebeu em 2003) pela Associação de Economia Americana (dos EUA) "a um economista estadunidense com menos de 40 anos que julgou-se ter contribuído de forma extraordinária com o pensamento econômico e a ciência da economia". É considerado o segundo prêmio mais significativo na economia, ficando atrás somente do Prêmio Nobel em Ciência Econômica. É importante ressaltar que 11 dos primeiros 17 premiados com a medalha Clark continuaram carreiras produtivas e chegaram a ganhar o Nobel.

Diferentemente de especialistas e autores leigos, não se observam no livro expressões como "eu acredito" ou "na minha experiência". O livro é todo embasado em dados matemáticos e estatísticos, incluindo a normalmente chata análise regressiva, mas surpreendente não se torna aborrecido. Demonstra que o que chamamos de "senso comum" é geralmente mais baseado em moral e no que queremos acreditar no que na verdade, e é facilmente refutado/corrigido por dados e estudos independentes. E eles e suas devidas referências são abundantes no livro, apesar disso de leitura fluida, graças, acredito, ao 2° autor, o escritor e jornalista brilhante Stephen Dubner, mago das palavras e que deve ter induzido em parte o economista a abordar assuntos que dissessem respeito a todos nós, direta ou indiretamente, ao longo da vida: o que reduz a criminalidade?; os corretores de imóveis conseguem preços melhores na média pelas suas próprias propriedades?; o sistema de cotas negros/brancos funcionou nos EUA? O que influencia no sucesso escolar e profissional de uma criança americana (descobriu-se que até o nome!)?; pais adotivos fazem diferença?

Como está na moda no Brasil, uns 30 ou 40 anos depois dos EUA, adianto que o sistema de cotas não resistiu às análises estatísticas. Provou-se que o que funciona é o fim da segregação. Embora desde as décadas de 50 e 60 enormes esforços do Governo Federal Americano tenham obrigado as escolas a serem mistas, os hospitais idem - os negros tinham sistema de saúde comparável a países de 3° mundo/subdesenvolvidos à época, tudo isso foi fundamental mas não bastou. A segregação dita racial nos EUA não existe mais na lei mas existe o que os autores chamam de segregação cultural de fato: nos restaurantes das escolas sentam-se separados, as marcas de cigarros que fumam os adolescentes são diferentes, ao extremo de os programas e canais entre os 10 mais vistos só terem em comum o futebol.

Muitos hão de discordar, mas sinceramente, acredito (aí sim uma questão subjetiva), que embora no geral mais pobres, como brasileiros estamos melhores, somos mais felizes, e temos as chances para em 1 ou 2 gerações arrumar a casa.

Minha mãe conta que há cerca de 45 anos apenas, um restaurante típico alemão que conhecemos em Blumenau recusou-se, à época, a permitir o serviço à "babá" de minha mãe, que acabou fazendo parte da família e morreu na casa de minha avó embora tivessa a sua de alvenaria, família, embora não tivesse se casado, e aposentadoria. Há 45 anos meu avô decidiu que isso era inaceitável e que não comeriam ali. Todos de SP. Nos EUA, a última Secretária de Estado, cargo equivalente ao nosso Chanceler, confessou que ressentia-se de em sua adolescência não ter podido freqüentar a lanchonete dos brancos abastados da cidade. Não por não poder pagar, mas por ser proibida de entrar em estabelecimento que só servia brancos.

Logo que iniciei o livro, vi que o Pavi também o apreciaria. Como não é do tipo que se lê e relê - ou se compreende ou não - passei a lê-lo com esmero. Darei de presente ao Pavi. Se parece em muito com grandes ensinamento que sua mente arguta me transmitiu. Ainda não o entreguei. Falta a dedicatória. Curta e direta. Afinal, nem apenas de assistir comentando os DVDs remasterizados da trilogia de "O Poderoso Chefão" se vive. A vida não permite que nos acomodemos. Não sem pagar um preço alto.

7 comentários:

Daniel Cassus disse...

Também tenho (ou tinha, sei lá) asma e também sofri com uma mãe fã da homeopatia. As crise foram diminuindo com a adolescência, mas posso jurar que tive uma pequena recaída mês retrasado aí em SP.

Alexandre Lucas disse...

Pois é, Daniel. A regra é essa: asma na infância q vai melhorando e espaçando na puberdade.

Eu sou a exceção. Primeira crise aos 7 anos. Segunda aos 12 e depois veio para ficar. Em casa TODOS são alérgicos.

Unknown disse...

Alexande,concordo com você.As cotas são só um reflexo de anos de discriminação e desrespeito;mas não são a salvação da pátria.O que precisamos é de uma educação de qualidade para todos e uma política real,não composta de politiqueiros demagogos,pensando só em seus bolsos-uma política voltada para a modernidade,que é o que mais precisamos.Vou ler o livro.Ótima indicação.Um abraço,meu caro.

Alexandre Lucas disse...

James, se lido com cabeça aberta, como imagino ser seu caso, o livro é surpreendente. Bom tentar ver a verdade por trás dos véus.

Daniel Cassus disse...

O mais importante das cotas é lembrar que elas têm que ser temporárias. Um degrau para se compensar anos de preconceito, mas que futuramente será desnecessário. Tendo isso em mente, eu apóio.

Alexandre Lucas disse...

O problema, Daniel, é que as cotas são uma espécie de "mea culpa" ineficaz. Os dados desse livro mostram isso claramente. E depois de instituídas ninguém tira por uns cem ou 200 anos. Direito adquirido e coisa e tal.

Por exemplo, seja logarítmos nas ciências básicas da Medicina, seja língua portuguesa em ortografia e sintaxe no Direito, é ingênuo quem acredita que vai alavancar um aluno de cotas e suprir o que ele nunca teve, ou que ele terá condições de competir em igualdade no mercado de trabalho. Até porque tem o julgamento dos clientes/pacientes.

Sociedade se pensa em médio prazo, ou acabamos metendo os pés pelas mãos. Gerando um ódio racial que da minha parte (pessoal) hoje não existe, ao invés de buscar melhorar os ensinos fundamental e médio e integrar todos os cidadãos.

O livro é tão instigante que estudou os resultados de um programa de pré-escola para alunos carentes nos EUA e descobriram que não serviu para NADA. As crianças mantinham as desigualdades. O que melhora é crescimento econômico, trabalho, dignidade e oportunidades.

Nícholas Vasconcelos disse...

Eu tive bronquite asmatica quando pequeno, passei por tratamentos com remedios e fisioterapia e melhorei. Anos mais tarde, na faculdade, ela voltou com tudo. No inverno de 04 cheguei a cair sem ar na faculdade. Usei a bombinha por uns 6 meses e ela foi embora.
Agora tem aquele problema da voz =/