quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Espíritos dos Natais Passados

As quartas-feiras costumam ser os dias mais agitados da minha rotina de trabalho terreno. Assim, desconto tomando um bom cosmopolitan na companhia de personalidades que desceram ao plano inferior após a morte. Estas sempre ficam bem impressionadas com a estrutura física do RH, em particular o ar condicionado a 17°C.


Hoje tive uma surpresa: a secretária tomou a liberdade de desmarcar o happy hour e encaixar personalidades do passado político brasileiro. Público e notório que além de irônico e curioso adoro política, parabenizei a secretária pela atitude pró-ativa.


Após breve toilete no lavabo de minha sala, encaminhei-me para a sala de reuniões. Quatro poltronas em torno de uma mesinha de centro de três pés sobre carpete vermelho alto. Três das poltronas estavam ocupadas e reconheci os interlocutores: Mário Andreazza, Artur da Costa e Silva e o saudoso Emílio Garrastazu Médici. Os três levantaram-se para me cumprimentar e pedi que dispensassem a cerimônia, dado serem ex-representantes de grande estatura do “Milagre Econômico Brasileiro”. Notei que os três usavam bombacha e, pela primeira vez, percebi que os três eram gaúchos. Além de viados, o Rio Grande nos presenteou com políticos de peso, pensei, mas guardei para meus botões. Pensei em pedir chimarrão, mas não gostaria de compartilhar a bomba, então achei melhor fazer a linha, dispensar o cosmo e pedir um vinho do Porto.


Intrigado estava com o motivo daquela reunião exótica, comecei a analisar cada um enquanto iniciávamos as amenidades e eu mentia que tinha saudades do Figueiredo, mas ele é arredio e não veio. Ibrahin Abi-Ackel também seria de grande valia, mas não deu entrada ainda em nosso sistema central.


Mário foi hábil político, além de militar como os demais presentes, e foi ministro por treze longos anos. No final foi o que mais tempo permaneceu no primeiro escalão dentre os três. Sempre nos anos de chumbo da ditadura. Teve o mérito de ter construído a ponte Rio-Niterói, mas o demérito da tentativa de construção da Transamazônica, que ligaria nada a lugar nenhum (vide gráfico). Recebi-o com respeito por ter erradicado a favela da maré no Rio. Aterrou tudo e onde havia palafitas pôs casas de tijolo. Pouca gente lembra.

Com Artur nunca consegui simpatizar. Disfarcei boas maneiras. Não podia tratá-lo mal por ser queridinho do Chefe. Foi o presidente militar responsável pelo AI-5 e tenho amigos que foram perseguidos e torturados em seu mandato, o período mais duro do Regime. Fez a diabrura de fechar o Congresso Nacional e um oceano de cassações sem um pingo de remorso. Era o único presente a falar bem pouco.


Emílio já apresentou-se o mais falante e quase simpático dos três. Presidiu um governo um tanto esquizofrênico. Exacerbou a repressão política, mas exigiu para sua posse que o Congresso fosse reaberto. Apesar do Milagre Econômico de que sempre se gaba ter sido, a meu ver, consequência de fatores internacionais extremamente favoráveis, tratei-o bem pela virtude de, mesmo com os plenos poderes do AI-5 ainda em vigor, não ter cassado um único político em seu governo.


Lá pelo terceiro cálice, comecei a entender o motivo de terem se reunido e vindo falar comigo. Explico antes que refiro-me a eles no primeiro nome porque aqui no RH apenas bato continência para os Chefes (vide o post que explica esta ambivalência). Adiantaram-me que todos os políticos que haviam descido – e aqui falamos de praticamente todos, salvo um ou outro Darci Ribeiro – estavam preocupadíssimos com os rumos da Nação.


Atentos aos movimentos esquerdistas que se valem de escusas democráticas para implantar regimes de exceção socialistas, em especial na Venezuela e na Bolívia, a alta popularidade do Presidente Lulla e o Congresso na mão da situação, salvo tênue resistência no Senado. Mário sendo mais técnico foi logo demonstrando aversão preocupada com os programas assistencialistas do Governo Federal, que considera uma forma explícita de compra de votos. Emílio e Artur preocupados estavam com o número de Ministros do STF que Lulla indicou ou indicará em seus dois sucessivos mandatos. Emílio logo emendou satisfação que Ellen Gracie Northfleet não conseguiu ir para o Tribunal Internacional. Seria mais uma vaga para a esquerda. Artur logo resmungou que “nesse passo vão acabar por reabilitar o Dirceu... “


Já um pouco alto e cansado desse velharedo, pedi que declarassem logo a demanda que me traziam. Queriam que o molusco fosse trazido mais cedo, como aconteceu com tantos presidentes brasileiros.


Ri, dei mais um gole do Porto e disse que concordava com a demanda, mas havia dois óbices. Primeiro que o Lulla soube escolher um vice com mais probabilidade de morrer que ele e que já assumiu mandato com câncer. Seria uma temeridade arrastar o molusco e o vice falecer e termos mais um mandato tampão com o Sarney – um indireto. Segundo que para esse tipo de ação com tantos desdobramentos não tenho autonomia. Teria de ser ordem superior, e essa audiência sabia que não conseguiriam a tempo.


Para não deixar estas ilustres – ainda que sombrias – figuras a ver navios, concatenei um paliativo: o Pavinatto passaria informações atualizadas de Brasília e os treinaria, e eles ganharão a permissão de deixar temporariamente o Inferno para atormentar Lulla dia e noite num esquema que chamaremos de “Espíritos dos Natais Passados”.


Chamei a secretária, pedi que redigisse um memorando ao Conselheiro Pavinatto, que terá a ajuda do Conselheiro Moloque e a assistência da Tábata (nossa estagiária safada) para concluir o projeto até 2 de abril. Vamos ver o que acontece? No Natal deste ano farei um post retroativo para avaliar os resultados. Os demais países da América Latina que se fodam. Levarão 30 anos para chegar ao século XXI, e em 30 anos estaremos ainda à frente – sou um otimista.


Nota: como se vê aqui e aqui, condeno a ditadura, mas achei esses personagem adequados a esta crônica.

(foto: Wikipédia)

4 comentários:

BHY disse...

Sabe, não acho graça em piada com políticos. De lugar algum. Mas nesse caso... O texto é de uma ironia... Porém, o que mais gosto é o Diabo "fazendo a linha". Adoro! ;-)

Alexandre Lucas disse...

BHY, considero você o blogayro com melhor redação. Elogio de você tem peso e me encanta =D

Pavinatto disse...

Prezado encarregado,

Informo que, a partir de amanhã, procederei em atendimento ao seu memorando, pois terei tempo livre no interior do Estado, em cidadezinha que prefiro manter sigilo, onde auxiliarei em procedimento de manutenção ao coronelismo.

Att.,

Cons. Pavinatto

P.S.: Ótimo relato.

Alberto Pereira Jr. disse...

achei divertida e controa a crônica ALE.. escolheu bem as figuras "ímpares" com quem manteve um colóquio.. não sei tb se a morte do molusco ia ajudar muito.. melhor é q o povo tome vergonha na cara e vote consciente.. difícil? não percamos as esperanças...