Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de
pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão
só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado.
Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não
perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não
perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em
solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar
beijos, dizer coisas aparentemente simples como “eu gosto de você”.
Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que,
mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que
escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue
vivê-la.
Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem
mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por
trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas,
inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina,
somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o
silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho
medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.
Amo vocês, seu filho,
Caio.
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