terça-feira, 27 de novembro de 2007


Assim Dançou Zaratustra

Triste que minha primeira postagem no blog seja motivada por evento tão pesaroso. Mas não poderia deixar de prestar uma homenagem a um dos maiores nomes da história da dança. Morreu aos 80 anos, em Lausanne, na madrugada da última quinta-feira, Maurice Béjart, coreógrafo. Apesar de estar há anos confinado a uma cadeira de rodas, devido a uma doença nos quadris, ele trabalhou até o fim com o seu Béjart Ballet Lausanne. Nascido na França, país do qual guardava muito rancor ("nunca recebi um centavo do governo francês"), um de seus últimos pedidos foi que após sua morte não se colocasse as palavras 'francês' e 'coreógrafo' juntas. Em 1960, migrou para a Bélgica, onde desejava que suas cinzas fossem espalhadas.
Um dos mais prolíficos coreógrafos da história, com mais de 100 espetáculos, sua personalidade dura e agressiva contrastava com suas criações, cheias de sensibilidade e lirismo. Não se conformava com o fato da dança ser uma "arte separada das massas" e tentou popularizá-la, levando-a a estádios e à televisão.
Considerado por alguns como exagerado e polêmico, e por muitos como genial, flertou com todo tipo de inovação em suas produções. Formado em filosofia e entusiasta de Nietzsche, utilizou textos dele e de outros pensadores em seus espetáculos, bem como projeções de vídeo. Dirigiu peças de teatro, óperas e filmes e publicou vários livros. Em 1968, foi expulso de Portugal por pedir um minuto de silêncio pelas vítimas da guerra colonial em uma de suas apresentações. Ficou famoso com "A Sagração da Primavera", abordou temas contemporâneos, homenageou Fellini e o grande bailarino Nijinsky, e coreografou pra vanguardistas da música como Ravel. Em 2000, estreiou "Ballet for Life", um ballet dedicado a Freddie Mercury e ao bailarino Jorge Donn, ambos mortos de AIDS, com música de Mozart e do Queen. Foi pioneiro ao masculinizar a dança e se tornou célebre ao apresentar o Bolero de Ravel, uma de suas coreografias mais importantes, criada para ser dançada por uma mulher, interpretada por um homem (Jorge Donn) em 1979. Em "Les Uns et Les Autres", filme de Claude Lelouch, podemos assistir a esse deleite que é Donn dançando o Bolero. Criou um espetáculo com músicas tradicionais do Islã e misturou composições de Ravel e Rimsi Korsakov com músicas tradicionais iranianas. Convertido ao islamismo xiita, ironicamente uma de suas produções foi censurada no Líbano por "ofensas ao Islã". No trecho criticado, homens oram enquanto mulheres dançam em torno deles vestidas como vestais. Mas como dizia o próprio, crítico do pensamento sectário: "Inquisição espanhola ontem, integrismo muçulmano hoje, a História às vezes nos serve os mesmos pratos".
Não morreu aos 80 anos. Morreu aos "4 vezes 20 anos", como se apresentou ao mundo no espetáculo "Amour 4-vingt". E apesar de deixar um vazio insubstituível no mundo da dança, devemos crer que morreu na hora certa. Ao menos era nisso que ele acreditava: "Eu creio que a gente morre sempre a tempo (...) O tempo é contado de maneira diferente para cada um, mas nós morremos a tempo".
A barba mefistotélica, a echarpe vermelha e o olhar enigmático deixarão muitas saudades. Agora ele fará as estrelas dançarem.

Imperdível: Jorge Donn irretocável dançando o Bolero. Coreografia de Béjart para a obra-prima de 2 compassos de Ravel.

Um comentário:

Alexandre Lucas disse...

Dizer o que sobre o artigo? Magistral e cultural:)

E o vídeo ficou ótimo :) "Upload" particular, sem CTRL+C e CTRL+V de sites como Youtube e Daily Motion. Deve ter demorado para carregar.

Obrigado pelo esforço e continue sempre contribuindo por aqui :)